Um convite para jantar, fazer pizza e celebrar a amizade como nos velhos tempos, na Terça-Feira. Dia da semana em que vim ao mundo. De manhã a ex liga: Você pode alugar o modem 3g por um dia? Posso claro, passa ás quatro horas. Ok arranja um recibo, a ONG precisa de nota pra poder pagar. Só quando escrevo essas linhas paro pra refletir em como velhos canais de comunicação ficam ativos apesar do passar das eras. Intuição feminina á serviço do terceiro setor. Lá pelo meio dia uma caminhada de quarenta minutos até o caixa da Lagoa, tirar dinheiro pra locadora, pois esta não trabalha com cartão. Taxas da máquina no limite da economia de bairro. Na banca de revista da senhora mais simpática um cartão de recarga, pois a franquia foi-se na última saudade. A caminhada de volta e a promessa de boa forma aos quarenta com mais minutos. Chego em casa, e preparo a mochila pra viagem. Ligação de novo, daqui á meia hora estamos chego pra pegar a “internet”. Subo na locadora, passo na papelaria e compro um talão com canhoto. Desço pela ruinha estreita, a moça do restaurante natural sobe empurrando a bicicleta. Eu com pressa e ela finalmente conversando comigo na maior simpatia inesperada da tarde morna. Endereço da casa anotado no peito em um abraço em braile. Urgência dos compromissos e o aroma de pasta de dente no beijo de despedida. Até depois. Só acontecem nessas horas. O inesperado desce comigo, motiva uma corrida e cochicha no ouvido: Amanhã. Mas amanhã é outro dia...
De volta em casa, tenho o tempo de deixar tudo pronto e devanear um pouco. Anoto o nome e número da casa da bela cozinheira. A amiga ex chega, acompanhada do colega de trabalho, fecha o serviço, e deixa duas garrafas de refri. Fecho a casa e vou para o ponto. É o ponto final e duas mulheres estão sentadas no banco improvisado recém reformado pela iniciativa anônima dos moradores. No ônibus olho o céu decidindo os tons de cinza. Adianto mentalmente o roteiro do dia seguinte e aposto comigo mesmo. A moça da aléia é toda graça, mas não é Aletéia...
Desembarco no centro. O horário de pico não está longe. Subir ao mercado, onde um litro e meio de um vinho Uruguaio bom custo benefício ainda está com aquele preçinho e combina afetivamente com seu conterrâneo parmesão, que na mochila espera a deixa pra mais tarde. Grandes televisores de plasma em promoção ligados na MTV. Penélope entrevistando nas ruas. A ex de São Paulo a conheceu pessoalmente e se declarou fã. Mudo de canal. O banco de madeira do outro lado dos caixas está ocupado, arrumo no piso espaço pra a garrafa bojuda entre os ingredientes. Saio do hipermercado e está chovendo. Vim sem guarda-chuva, não parecia muito prático. A chuva não está tão forte, mas resolvo esperar. E comigo ficam várias pessoas ali na passarela protegida ao lado da saída do hipermercado. Aumenta o aguaceiro e fico observando o concreto do poste, ainda seco e claro, encharcar aos poucos. O emaranhado da fiação é tão bonito contra a luz amarelada da rua, enquanto a chuva engrossa. Pessoas correm, a maioria espera. Um cara japonês empurra o carrinho sem pressa na torrente com uma mão enquanto a outra vai no guarda chuva. O carrinho puxa pra direita. Uma moça no quiosque sem roupa de frio e chinelo de dedos leva respingos nas canelas. Adolescentes em uniforme escolar de colégio religioso pedem sorvete; Um casal se pega no canto, o toldo do restaurante ao lado canta grave para quem não tem celular. O ritmo diminui e sigo em passo rápido de volta ao terminal.
É raro eu ir ao Norte da ilha a partir do centro. Pelo menos tão ao norte. Acho que naquela plataforma nunca. Quando você está indo sozinho pela primeira vez para um lugar a maior fila do terminal geralmente é a sua, mas você finge ignorar. Hoje não é exceção. Pergunto pro senhor de bigodes e olhos claros se aquele ônibus vai direto pro terminal do norte, ele confirma e pergunta se é minha primeira vez na ilha. Não, mas naquele percurso é. Acabamos conseguindo pegar o segundo ônibus e vamos sentados, conversando até lá. Ele vai pro mesmo bairro que eu. Trabalha fora da ilha, mas faz uma viagem maior de casa ao trabalho. Vai sempre em pé de manhã cedo. O patrão estressado é jovem, mas safenado. Falamos de transporte urbano na ilha, ele destaca o paradoxo da ausência de transporte marítimo em uma ilha. A corrupção, a violência o descaso público. Quanto tempo moramos na ilha, as mudanças ocorridas, a urbanização acelerada, a faculdade do filho. Ele consulta o relógio, calcula o horário da conexão e liga pra mulher buscar ele de carro, pois o próximo ônibus demora. Ganho uma carona. O filho vem buscar e vamos até o ponto onde eu desceria. Um adeus sem nomes, cidadão.
Dado a referência, não deveria ser possível encontrar. Ela disse: o segundo ponto depois do quarto quebra-mola. Hã? Quarto aonde. Quando entrar no bairro começa a contar. Bom, o caos funcionou. Assim como a poesia. Ao final da Servidão, na árvore desenhada, passe o segundo portão e vire no caminho do coração onde encontrarás o refúgio. Luzes na casa de madeira no meio da mata, como em tantos momentos significativos. A suave voz da amiga que ainda não conheço guia os últimos passos. E estamos reunidos, sem pretensões além da companhia. Só conheço a amiga que me convidou. O outro homem só de vista em festas no sul da ilha. Um vinho já em cima da mesa e aos poucos vão surgindo da mochila os tomates, o brócolis, as cebolas e os queijos. Panelas de barro, fôrma improvisada e duas pizzas grandes. Diálogo de microcosmos.
Isso há uma semana. Vi um curta e lembrei de invernos passados. Vi documentário e vi que o tempo passou no rosto de velhos conhecidos. Dormi com a chuva lá fora. Acordei e fui comprar pães em uma clara manhã nublada. Vi fotos e lembrei de paixões passadas. E Refleti sobre os fantasmas dos quais queremos nos refugiar no coração, mas eles ainda assombram o peito. Penso no sarcasmo terapêutico que reservei aos amigos e como ele me embosca no caminho do coração e aponta a ferida, dedo em riste, próximo a chaga, reparando de esguelha no meu desmontar. Talvez ver no outro a dor semelhante abrande a decepção. Talvez apenas a torne ridícula. O que também serve.
Voltei de ônibus até o centro com a amiga da amiga. Dia cinza. Chego no bairro e desço antes para ir na locadora, ver aquela última comédia do Woody Allen que eu hereticamente não vi no cinema. É calculado. Rir pra espantar as sombras. Também é calculado o tempo de pegar o filme e sair pela mesma rua na hora que a moça cheia de graça sai do trabalho. É engraçado como se percebe à distância. O abraço não tem mais a mesma intensidade. O beijo não tem as mesmas nuances nem mostra os atalhos. Ela tem coisas para fazer agora. Seus planos mudaram e está indo embora de Floripa, fechando as pendências. E não vai abrir novas... Cogito. Ela diz que é muito impulsiva. Comento que é bom ser impulsivo ás vezes, ela diz precisa botar a vida em ordem. Reparo na minha frase bobinha e também na constelação de pontos com casquinha no pescoço dela. Calculo mentalmente o tempo de cicatrização. Disfarço com o uma hora dessas passo lá e nos despedimos educadamente. O dia de amanhã é sempre um novo dia. Quando desço a ruela sinto o sorriso malevolente daquele cinismo ancestral que mora comigo. Aposta ganha. Mas era fácil. Para o astrônomo paciente basta reparar nos ritmos do universo. A gravidade próxima á estrelas gera fenômenos curiosos. E elas inda ofuscam mesmo depois de mortas.
Mas a pizza no refúgio estava ótima. E o filme do Woody é bom e rio um monte. Hollywoodiano, promotor turístico pouco importa. A essência do cara está lá e ele é uma estrela. Um astro cujo brilho deve ser reconhecido. Sem se deixar cegar.
De volta em casa, tenho o tempo de deixar tudo pronto e devanear um pouco. Anoto o nome e número da casa da bela cozinheira. A amiga ex chega, acompanhada do colega de trabalho, fecha o serviço, e deixa duas garrafas de refri. Fecho a casa e vou para o ponto. É o ponto final e duas mulheres estão sentadas no banco improvisado recém reformado pela iniciativa anônima dos moradores. No ônibus olho o céu decidindo os tons de cinza. Adianto mentalmente o roteiro do dia seguinte e aposto comigo mesmo. A moça da aléia é toda graça, mas não é Aletéia...
Desembarco no centro. O horário de pico não está longe. Subir ao mercado, onde um litro e meio de um vinho Uruguaio bom custo benefício ainda está com aquele preçinho e combina afetivamente com seu conterrâneo parmesão, que na mochila espera a deixa pra mais tarde. Grandes televisores de plasma em promoção ligados na MTV. Penélope entrevistando nas ruas. A ex de São Paulo a conheceu pessoalmente e se declarou fã. Mudo de canal. O banco de madeira do outro lado dos caixas está ocupado, arrumo no piso espaço pra a garrafa bojuda entre os ingredientes. Saio do hipermercado e está chovendo. Vim sem guarda-chuva, não parecia muito prático. A chuva não está tão forte, mas resolvo esperar. E comigo ficam várias pessoas ali na passarela protegida ao lado da saída do hipermercado. Aumenta o aguaceiro e fico observando o concreto do poste, ainda seco e claro, encharcar aos poucos. O emaranhado da fiação é tão bonito contra a luz amarelada da rua, enquanto a chuva engrossa. Pessoas correm, a maioria espera. Um cara japonês empurra o carrinho sem pressa na torrente com uma mão enquanto a outra vai no guarda chuva. O carrinho puxa pra direita. Uma moça no quiosque sem roupa de frio e chinelo de dedos leva respingos nas canelas. Adolescentes em uniforme escolar de colégio religioso pedem sorvete; Um casal se pega no canto, o toldo do restaurante ao lado canta grave para quem não tem celular. O ritmo diminui e sigo em passo rápido de volta ao terminal.
É raro eu ir ao Norte da ilha a partir do centro. Pelo menos tão ao norte. Acho que naquela plataforma nunca. Quando você está indo sozinho pela primeira vez para um lugar a maior fila do terminal geralmente é a sua, mas você finge ignorar. Hoje não é exceção. Pergunto pro senhor de bigodes e olhos claros se aquele ônibus vai direto pro terminal do norte, ele confirma e pergunta se é minha primeira vez na ilha. Não, mas naquele percurso é. Acabamos conseguindo pegar o segundo ônibus e vamos sentados, conversando até lá. Ele vai pro mesmo bairro que eu. Trabalha fora da ilha, mas faz uma viagem maior de casa ao trabalho. Vai sempre em pé de manhã cedo. O patrão estressado é jovem, mas safenado. Falamos de transporte urbano na ilha, ele destaca o paradoxo da ausência de transporte marítimo em uma ilha. A corrupção, a violência o descaso público. Quanto tempo moramos na ilha, as mudanças ocorridas, a urbanização acelerada, a faculdade do filho. Ele consulta o relógio, calcula o horário da conexão e liga pra mulher buscar ele de carro, pois o próximo ônibus demora. Ganho uma carona. O filho vem buscar e vamos até o ponto onde eu desceria. Um adeus sem nomes, cidadão.
Dado a referência, não deveria ser possível encontrar. Ela disse: o segundo ponto depois do quarto quebra-mola. Hã? Quarto aonde. Quando entrar no bairro começa a contar. Bom, o caos funcionou. Assim como a poesia. Ao final da Servidão, na árvore desenhada, passe o segundo portão e vire no caminho do coração onde encontrarás o refúgio. Luzes na casa de madeira no meio da mata, como em tantos momentos significativos. A suave voz da amiga que ainda não conheço guia os últimos passos. E estamos reunidos, sem pretensões além da companhia. Só conheço a amiga que me convidou. O outro homem só de vista em festas no sul da ilha. Um vinho já em cima da mesa e aos poucos vão surgindo da mochila os tomates, o brócolis, as cebolas e os queijos. Panelas de barro, fôrma improvisada e duas pizzas grandes. Diálogo de microcosmos.
Isso há uma semana. Vi um curta e lembrei de invernos passados. Vi documentário e vi que o tempo passou no rosto de velhos conhecidos. Dormi com a chuva lá fora. Acordei e fui comprar pães em uma clara manhã nublada. Vi fotos e lembrei de paixões passadas. E Refleti sobre os fantasmas dos quais queremos nos refugiar no coração, mas eles ainda assombram o peito. Penso no sarcasmo terapêutico que reservei aos amigos e como ele me embosca no caminho do coração e aponta a ferida, dedo em riste, próximo a chaga, reparando de esguelha no meu desmontar. Talvez ver no outro a dor semelhante abrande a decepção. Talvez apenas a torne ridícula. O que também serve.
Voltei de ônibus até o centro com a amiga da amiga. Dia cinza. Chego no bairro e desço antes para ir na locadora, ver aquela última comédia do Woody Allen que eu hereticamente não vi no cinema. É calculado. Rir pra espantar as sombras. Também é calculado o tempo de pegar o filme e sair pela mesma rua na hora que a moça cheia de graça sai do trabalho. É engraçado como se percebe à distância. O abraço não tem mais a mesma intensidade. O beijo não tem as mesmas nuances nem mostra os atalhos. Ela tem coisas para fazer agora. Seus planos mudaram e está indo embora de Floripa, fechando as pendências. E não vai abrir novas... Cogito. Ela diz que é muito impulsiva. Comento que é bom ser impulsivo ás vezes, ela diz precisa botar a vida em ordem. Reparo na minha frase bobinha e também na constelação de pontos com casquinha no pescoço dela. Calculo mentalmente o tempo de cicatrização. Disfarço com o uma hora dessas passo lá e nos despedimos educadamente. O dia de amanhã é sempre um novo dia. Quando desço a ruela sinto o sorriso malevolente daquele cinismo ancestral que mora comigo. Aposta ganha. Mas era fácil. Para o astrônomo paciente basta reparar nos ritmos do universo. A gravidade próxima á estrelas gera fenômenos curiosos. E elas inda ofuscam mesmo depois de mortas.
Mas a pizza no refúgio estava ótima. E o filme do Woody é bom e rio um monte. Hollywoodiano, promotor turístico pouco importa. A essência do cara está lá e ele é uma estrela. Um astro cujo brilho deve ser reconhecido. Sem se deixar cegar.