quarta-feira, 16 de maio de 2007

Palhaço

Como

Uma pedra,

Corto

O laço.

Velho

Padre

Caço,

Com a

Seda,

O traço,

De vinténs

O maço.

A visão

Neblina,

De quem

A risca

Com

Aço.

Risível

Gesto

De quem

Pisca,

E se

Lança

No

Espaço.

Sou uma sentença

Sou uma sentença.

Sólida,

Sorumbática,

Caminhando de folha em folha.

Deixo minhas pegadas de tinta.

E não tenho pressa,

Tenho sono...

Vou dormir em outra mente,

Aqui o aluguel está caro.

Não lavam esse

Sangue-borrão

De onde me sento,

Mas me alimentam bem.

Letras gordas,

Morrem gritando como porcos,

Para me serem servidas.

É gentil o senhorio,

Nesta casa cheia de pó,

Tantas frases mofam

Nos corredores.

Expressões mumificadas,

Cadáveres de histórias ressecadas,

Amontoam-se nos quartos.

Ou então dormem nas infinitas pilhas

De papel em branco,

Roídas de ratos

Compostos de lápis.

Os coloridos sempre riem.

Pelo menos assim parece.

Sim sou sua sentença,

Já vou indo agora,

Tenho sede

E as folhas são secas

Mesmo

Sempre vivas.

Solilóquio

Com o papel,

Só se é louco.

Disso não há

Dívida.

Duvida?

Sono

Sono, eu vejo assassinos.

Sono, eu os vejo pequeninos.

Sono, as imagens afogadas

No pulsar das facas.

Na queda pulsante,

Dos corpos,

Das lâminas,

Das línguas.

Uma vasta onda

Esfola a realidade.

Calma, a maré afasta o solo,

Gota à gota.

Somo psicóticos sim,

Chacinados carvões!

Dois olhos se erguem.

Um corpo, uma miríade,

De afiados metais.

Cada retalho é

Reflexo do ser som.

Uma multidão de rostos,

De gozos,

Na infinidade das dimensões,

Goza!

Dos deuses pessoais a carne,

Cacos de aço,

Ri e rima.

Mentes na Rodovia

Siga a estrada de espelhos, cortante, sem saída. O sangue de uma era dorme com você, em seu carro de ferro. Carona Azul é o ar condicionado, um pacote de carne e estilo, na dose certa pra te satisfazer. Agulhas de gasolina chacoalham lá atrás, aquelas com que estico o mapa de couro e suas rodovias cicatrizes, recheadas de um ouro cinza que já confundem com chumbo, após tantos fogos andarilhos.

Não espero mais que o olhar baço do horizonte, dormindo ao volante ao me ver, incessantemente vindo em sua direção. Ele lacrimeja, lacrimeja, enfim dorme, e fica mais atento. Sua inconsciência é precisa, fria, racional e tudo esvazia com sua presença.

Repercute em meu gosto essa espera da luz sem rumo, dispersa demais para ser minha amiga, onipresente professora de sorriso irônico e lábios amontoados de lã.

É este o lar do vento irmão eco, que agora se senta ao meu lado desdenhosamente mortificado.

É aqui que atropelo quem toca os genitais de minha alma em busca de abrigo.

Onde o asfalto estala unhas tetraplégicas, incrivelmente asseadas.

Local que jamais o será novamente.

Espaço endócrino-gástrico-intestinal.

Na hora certa em que vais a merda,

Musa filha-da-puta.

quarta-feira, 9 de maio de 2007

Sem sonhar se irrita

Não há sonhos na manhã deste dia. Não existem sonhos visitando a catedral. O pragmatismo lhes retirou todo fluido e o escorreu entre os dedos, em uma camisa molhada de suor e metais engraxa o cavalo a vapor.

Poderia ser o álcool, essa leve angústia, moléculas egoístas não abrem espaço para visitas. Mas são lápis desarmados em dedos grossos, densos demais para o piano, vastos para as cordas de violão, desajeitados entre as placas de circuitos, retângulos dentuços de polímero, cobre e outros metais pequeninos, nossas presas, com as quais queremos morder e mastigar o mundo.

Dedos grossos manipulam o mundo através da alavanca do próprio sexo. Terminam velhos e úmidos, recobertos de tempo recendendo á mágoa. Da gordura das horas se faz o sabão que lava a sépia dos sonhos de debaixo das unhas dos dedos calejados de procurar.

sábado, 5 de maio de 2007

Manhã Sem Café

Meu sangue carcomido,

O sexo exacerbado,

Reveste de sentido,

A ferida no estofado.


O polegar, esse exegeta,

Toca um fluido ignorado.

Corre limpa desinfeta,

Crítico, o tédio está sentado.


Espalha veneno

Uma xícara vazia.

Na mesa polida peno,

Um foco amargo ia.


Ser ameno, ser simpático.

Ignorar as pessoas,

Mesmo sorrindo, pragmático.

Até quando lhe entoam loas.


Na garrafa, sem aroma,

Não há gente, não há fé.

O amargor de existir assoma

Na sólida manhã sem café.



Demian Machado

sexta-feira, 4 de maio de 2007

Colegas

Transtornados, os amigos cantinflam,

O tempo comeu seu quinhão de paciência.

Senso de humor é exclusividade interna,

De clubes onde se colecionam olhares.

E o pitoresco é o verniz da moda.

Mas não comente tá bom?

Narrativas não vêem á luz parara serem

Atrapalhadas.

Há cronogramas a serem seguidos,

Regimentos pessoais de consciência

Cartilham o melhor lucro entre duas sombras.

O cinza é só processo pra ficar na nostalgia,

Numa lembrança fotográfica ou

Reminiscência agridoce.

Séculos de carinhos esquecidos

Estufam almofadas e ventam nos sorrisos,

Soltos só entre lençóis, mudos confidentes.

Auxiliares de direção desse teatro de

Angústias brocadas com alegrias centopéias,

Leves, leves, vão pisando o coração.

No ventre pousaram as mariposas do desdém

Sobram vazios gélidos entre pessoas.

Lâmpadas fluorescentes da arquitetura

Humana.

Conduta, conduíte e contato. O edifício está pronto.

Em cada pavimento a estética de

Vidas em comum

Esticam-se até o horizonte.



Demiam Machado

Cinema Rodízio

Ele acordou antes dos outros. Eram quatro e quarenta e nove da manhã e os onze minutos restantes apagaram a lembrança dos sonhos. Levantou-se e a madrugada de Porto Alegre ainda de pé sussurrava atrás do vidro do sexto andar. Foi tomar um banho frio. Após, nu e seco, sentou-se em lótus respirou fundo e tentou alcançar os outros. Todos dormiam e seus sonhos eram como cenas chuviscadas dentro de bolas de gude. Visualizou sua mão se erguendo e abriu os dedos imaginados. As esferas se aproximaram e ele foi puxado para entre elas, como se houvesse uma súbita gravidade. O truque exclusivo começou a funcionar e ele viu o futuro próximo.

São Paulo estava de pé lendo as notícias, Rio ainda nadava nos sonhos confusos da embriaguez no meio da semana, Brasília já seguia no trânsito rumo ao emprego ganho em concurso, Curitiba estava se despedindo da esposa. Natal estava no ônibus indo pra escola. E ele conversava com a colega do jornal no horário do almoço, e só ela existia naquele momento. Tentou adiantar mais as cenas. Uma mulher no apartamento em frente subia numa cadeira para arrumar uma lâmpada e em uma grande praça, o Rio conversava com alguém, mas essa pessoa era apenas um borrão escuro. Porto Alegre caiu subitamente em si mesmo, era manhã recém chegada e já estava vendo tudo de fora. São Paulo o observava da mesa do café, o ar levemente contrariado que Porto tinha na cara, sempre que algum de seus interesses era frustrado. Desde menino a mesma cara birrenta.

São Paulo olhava seus outros eus com mais distanciamento, como se todos fossem pueris. Ás vezes ele, e conseqüentemente os outros, pensava se seria por ser mais velho. Curitiba tinha um ano a menos e era o único casado, mas a estabilidade amorosa e um filho de quatro anos não o tornou menos despreocupado com a vida, talvez tudo lhe parecesse muito fácil, e aos trinta e sete tinha chegado ao apogeu. As impressões de cada um a respeito de si mesmo nunca eram claras aos outros. Era evidente, porém a facilidade de se existir ao mesmo tempo em tantas cidades, e conseguir segurar a barra dos seus outros eus, garantindo um emprego na empresa de um conhecido de outro estado, ou através de um empréstimo se fosse o caso. Mas a parte financeira da vida em comum estava resolvida, até havia um estágio esperando Natal, quando ele quisesse. Agora valia mais curtir a vida multifacetada, usando a metáfora do Rio de Janeiro, um constante entrar e sair de salas de cinema, que assistiam a si mesmas. Um impulso, um devaneio e se estava no outro. Uma dúvida em Brasília, e Curitiba dava a dica. Porto Alegre lia um livro, Natal já não tinha mais dúvidas na escola. São Paulo assistia ao filme, Rio de Janeiro fazia a resenha sentado no bar, e já recomendava pros amigos.

Ao mesmo tempo podiam permanecer horas sozinhas consigo, embora depois de algum tempo esses momentos se integrassem à memória daquele coletivo de um homem só. Quando pensavam nessa definição visualizavam um ônibus praticamente vazio, onde todos eram os únicos passageiros. Estranhamente nunca conseguiam ver o motorista...

O Rio de Janeiro teve de subir a serra certa vez. Foi um mês depois da madrugada mal dormida de Porto Alegre. Era um encontro de estudantes em Juiz de Fora. Brasília Aproveitava as horas ociosas do trabalho para secar as jovens universitárias, São Paulo prestava atenção nas conversas em busca de uma nova pauta, Natal olhava também as moças, Curitiba prestava atenção na arquitetura da federal. Então na tarde do segundo dia quando Rio de Janeiro caminhava no campus, naquele momento que ser permitia ficar sozinho, depois de curada a ressaca, quando afastava ou outros e admirava a paisagem introspectivo, sentiu mais um. De tão surpreso nem conseguiu avisar os outros, quando tentou percebeu que não adiantava. Seu até então desconhecido novo eu parecia bloquear as outras cidades. E ele sempre achou que Juiz de Fora não teria tanta influência.

Ele se aproximou sem pressa, deixando suas memórias fluírem para o Rio de Janeiro. Eram lembranças sem um denominador comum, lacunas familiares numa vida compartilhada, decoração ambiente despercebida ao longo dos anos. O professor universitário era o mais velho, mas como todos eles, aparentava menos. Sessenta e quatro anos... Para o Rio de Janeiro parecia uma realidade distante.

O professor sentou-se ao lado dele, saudando sem um aperto de mãos. Tal gesto forçaria um retorno à coletividade:

- Você pode não viver tanto quanto eu, sabia? Nenhum de vocês, nós, podemos.

- É, hã, porque nós, eu, puxa...

- confunde esse novo tipo de separação de agora né? Parece que não vai ter volta.

- Nem fale nisso! É muito esquisito.

- Mas vocês já sabiam no fundo que faltava algo. Já partilhei vários sonhos com vocês.

- É verdade, tô lembrando de relances... Mas porque você não está conosco, quer dizer...

- Deve ser o tumor. Diagnóstico de câncer cerebral. Começou quando Natal fez um ano. Você tinha Dez. Mas eu prefiro achar que é uma questão de sentimento, sabe? Sou mais emotivo que os outros, eles foram ficando muito frios com a idade. Você tá seguindo nesse rumo.

- Não, sou assim...

- Eu sei, de vez em quando não é mesmo. Você ainda idealiza a alma gêmea. É romântico como eu. Já achou ela?

- Ah não sei, tem uma amiga minha, mas não tenho certeza.

- Procure ter.

- Tá, só um minuto. A gente vai morrer por conta do seu câncer? Como você ficou vivo todo esse tempo?

- Vai saber? Não me preocupo com isso, depois de ter sido desenganado já vivi muito. Só sei que o tumor está lá por conta da cegueira de vocês. Estou em todos, mas sou só um ruído de fundo. É interessante, ter a ilusão de que sou autônomo. Eu gosto da sua metáfora, me sinto o lanterninha, ou o projetista.

- quando foi a última vez que nos reunimos todos?

- Olha, foi naquela festa em Belo Horizonte, três anos atrás, mas vocês não me notaram. Estavam na mesma sintonia.

- Mas teve um antes disso, posso sentir.

- Sim, mas você tinha só doze anos, ainda não tinha acordado para nós.

- E como foi esse encontro?

- Puro Onanismo.

- Hã?

- Nem queira saber. Você teve pesadelos não se lembra?

- É eu sei. Só não consigo definir a sensação. Mas deixe. Porque tenho de ter certeza sobre ela?

- Você precisa achar sua Rita de Cássia.

- Então ela não é lenda. Nosso reflexo, aquela que também é múltipla. Mas por que eu preciso?

- Pra aproveitar enquanto é tempo, curtir essa felicidade. Mas principalmente, porque em uma existência como a nossa quem morre primeiro leva todos. Vale pra elas também. Cada um de nós tem se encaminhado para sua contraparte, menos Porto Alegre, o mais egoísta. Ele tem ignorado a professora de piano, apesar de ela morar no apartamento em frente do outro lado da avenida. Ela está muito depressiva, viver com quatro felinos não é suficiente, o voyeurismo não basta, ela está muito só.

- Porque você não escreve pra Porto, assim como faz com ela?

- Já fiz isso. Ele não dá importância. Acho que ele quer ter vida própria.

- Você não pode ocupar o lugar dele?

- Não é assim simples, não se pode substituir uma peça do quebra-cabeça. Já tenho alguém aqui. Você deve estar vendo ela agora.

- Sim, a imagem está vindo... Hum, aluna sua hein?

- Do mestrado. Bom, o que importa é o seguinte, se a Rita de Porto morrer, ela leva a de Juiz de fora com ela, assim como quem quer que seja aquela que seria ideal pra você. Se eu ficar sozinho a essa altura da vida, não terei mais motivo pra viver. Desânimo acaba com a imunidade...

- Entendi. Mas sabe, você é muito determinista. Apesar de todo esse tempo de vida não temos certeza de nada, eu encontrar você é uma prova disso. Acho que você tem medo, isso é normal. Mas não esperávamos que Natal entrasse no jogo. Quem sabe se ele não veio pra te substituir? Afinal o mais isolado de nós é você... Desculpe o mau jeito, mas é a verdade.

- Tudo bem. Não tenho tido muitas expectativas quanto a nós ultimamente. Você pode estar certo. De qualquer forma, fique atento, quando você encontrar quem lhe corresponde, haverá uma pista. Um perfume, um tremor. Aguarde.

- OK, pode deixar. Foi um prazer conhecê-lo. Podíamos nos encontrar mais vezes.

- É, quem sabe no futuro.

Juiz de fora foi se afastando. Ainda ia demorar um tempo até aquele episódio pertencer a todas as cidades que somos nós. Mas um efeito colateral interessante daquela aura de individualidade de Juiz de Fora foi que o Rio de Janeiro se viu no lugar de Porto Alegre e percebeu neste uma revolta fria contra tudo aquilo que lhe era imposto previamente, como as leis da natureza ou o simples fato de estar vivo daquele jeito compartilhado. Um sentimento adolescente que tinha sobrevivido até os trinta e três anos de seu eu gaúcho. Como se houvesse um mundo a subjugar aos pés. O Rio de Janeiro soltou um longo suspiro, decepcionado.

Nunca tinha se sentido tão imaturo.



Demian Machado