O interior do prédio lembra uma versão com acabamento de alto padrão do Centro de Filosofia e Ciências Humanas, onde estudei lá em Santa Catarina. Totalmente anti mendigo claro, sem banco algum. Mas a mesma concepção, aquele miolo amplo onde o pensamento do estudante expande antes de contrair na sala de aula. A gente entra na faculdade com essa ideia mesmo, de que ali é um lugar onde vamos expandir nossos horizontes. Com o tempo vamos percebendo onde as coisas realmente acontecem. Desde seu campus, a faculdade é ampla, mas a vida acadêmica é passar da amplitude para espaços cada vez menores, onde você se torna cada vez mais importante. Do Salão para a sala de aula para a salinha do núcleo de estudo para o escritório do orientador para uma mesinha e uma cadeira. O menor lugar é dentro do computador, aonde vai seu currículo, dentro das ainda menores caixinhas dos formulários. Você não existe fora daquela caixa. Os editais comprovam. A compartimentalização, não ensina humildade, é apenas burocracia. Já viu um compactador de lixo? Não transforma lixo em Hai Kai, embora o poeta faça. A universidade também é assim, compacta o ser humano, até ele em um diploma. O subproduto é livro geralmente pouco lido, com sorte um pouco mais, quase sempre esquecido. Você é do tamanho do teu Lattes. Os caerriculos lattem e a caravana do emprego passa. Caerrículos são sempre mirrados. É quântico como uma palavra que remete a universo na pratica é agorafóbica.
E vou para a prova, já fraudada de saída mas ninguém fala nisso. Uma prova exaustiva com oitenta questões e duas redações. Nostálgica pra quem fez cursinho. Já começa com errata, datilográfica. Perguntas explicitam que você não decorou coisa metafísicas como anáfora, catáfora e dêitico. Prefiro lembrar de sardônico, meu sorriso enquanto recordo satisfeito a língua portuguesa morrendo nos lépidos dedos dos jovens miguxos ( alguns temem ). Recordo de anáfora, penso em ânfora. Lembro sobre ensinar o que é vasilhame, sem definir o vazio nele contido. As funções pronomiais parecem o som de cacos quebrando.
Outras coisas que nunca farão parte do cotidiano trabalhista de um funcionário público, salvo em conversas no intervalo do café, como a lembrança de John Gleen orbitando a terra ou o apreço pela Semana de Arte Moderna. Suspeito corretamente que não considerar o general desertor sírio como líder de um conselho revolucionário vai me valer um erro e mais tarde descubro acertada a suposição. A prova recorta as manchetes e tem posição política definida: não questionar. Ao menos isso é mais pé no chão do que saber qual o primeiro estadunidense a orbitar a Terra. Não questionar é uma constante de funcionário. Ou será do brasileiro?
As horas passaram, fui ao banheiro ao final das objetivas e o detector de metais não apitou para minhas moedas e chave no bolso, e nem pra fivela do cinto. Foi a prova mais tranquila que fiz até agora. A sombra da fraude ironicamente deu um ar nonsense a tudo aquilo. Mas é essencialmente uma piada. Mais tarde veio a notícia que as provas do meu cargo foram anuladas. Depois mais irregularidades afloraram. Sorria meu bem, você está sendo lesado.
De 2010 até este ano foi o período em que mais fiz concursos na vida. Um padrão emergiu desse período. Concursos com inscrição cara e poucas vagas, geralmente fraudados ( A prova está até na sabedoria popular, será que eles estão errados? ) e concursos com muitas vagas, de inscrição mais baratas, ocasionalmente manipulados. O de Domingo último um exemplo mais evidente do primeiro tipo. O segundo, foi o concurso para a prefeitura de Porto velho que precisava urgentemente contratar mais professores e médicos. Para não ficar com somente 60 professores aprovados, nove questões específicas foram anuladas. Agora podem chamar mais de quinhentos professores. Manipulação favorável aos candidatos. A dos concursos fraudados só é favorável a quem já está previamente escolhido. Cartas marcadas, a piada recorrente. Cartas na manga, a piada dos gestores reféns de um modelo de contratação que é como a maioria das coisas no país, por fora, sério, por dentro pantomima. Sem desmerecer essa última.
A chuva cai, a BR 364 abre cada vez mais no meio, o trânsito desviado para um rua precária, como quase todas as vias não principais de Porto Velho, onde fora das avenidas predomina o mosaico entre asfalto e lama. Engenheiros formados com excelência, cálculos medíocres nas edificações, nos projetos da cidade, na receita do asfalto. a água enche os buracos na rua, olhos do chão refletindo a luz dos postes.
Espelhos onde a educação vê seu verdadeiro valor na sociedade.
Como ensinar a importância do invisível que não é deus?
Uma resposta deve ser formar burocratas.