sexta-feira, 13 de novembro de 2009

Unibang!

Em uma sala branca e sem janelas, cinco jovens executivos esperam. Duas mulheres e três homens. Cada terno e tailleur, uma cor diferente com a suavidade sóbria do mundo corporativo. Como um elenco para uma versão seriada e pós moderna de Dick Tracy esperando para ser avaliado. Em um terno de risca de giz entra um  careca de 53 anos, com o final de um charuto aceso na mão. Ele solta um - "Senhores.." com uma voz de barítono, enquanto dá um piparote para trás no charuto acesso. Os braços musculosos de seguranças armários são vistos de relance quando fecham a porta da sala para ele. Comecemos a reunião da equipe de marketing de guerrilha da UNIBAN.

- Boa noite a todos.

- Boa noite- responde o jovem executivo de terno verde pálido. - Desculpe perguntar, mas cadê o reitor? Ele não...

- Ele está passando por uma indisposição estomacal temporária e me designou como substituto.

- E o senhor seria? Arriscou a jovem de tailleur azul cortina.

- Eu sou o Auditor. Estou aqui para avaliar e dar um parecer. Por favor, prossigam.

- Bom, primeiramente - Começa a jovem de vermelho - vamos aos fatos: a campanha da nossa agência foi um sucesso! Conseguimos audiência em todos os meios de comunicação nacionais! E tivemos ainda penetração no. - pigarra a colega de azul- Hã desculpe, infiltração no noticiário internacional muito além do esperado para uma ação local!

- Sim, e estes gráficos indicam uma ótima aderência á política da instituição na China!- emenda empolgado um rapaz loiro em um amarelo bandeira fosco. - Um mercado emergente!

- Sem contar uma tremenda receptividade no meio oeste dos E.U. A! - Destaca o rapaz de laranja cáqui.

- E no oriente médio! Observa lá do canto da tela de slides a moça de azul.

- Que bom. Já temos para onde transferir nossas operações no futuro próximo.

Silêncio de respirações suspensas.

- Por favor, continuem. - Diz o careca enquanto puxa do bolso do terno uma até então não percebida caixa de charutos. A apresentadora segue:

- Bom, as estatísticas não mentem: Após a nossa intervenção virar viral, a UNIBAN saltou de um quase anonimato para o top-of-mind em instituições de ensino particulares.

- A resposta da UNIBAN ao caso foi aprovada nos setores mais tradicionais da sociedade e aumentou a reputação da instituição nos setores que prezam a moral e os valores tradicionais da família, consolidando o público da empresa. - Completa o rapaz de laranja.

- E quanto ao prejuízo que a ação causou?- Pergunta o auditor enquanto tranqüilamente abre a caixa e escolhe o próximo charuto.

- Bom, estimamos que o prejuízo será compensado pela arrecadação nos mercados emergentes de feição conservadora em que vamos entrar.

 - Mas e aqui no Brasil, mais especificamente em São Bernardo?

- Ora passada a polêmica inicial a situação tende a se normalizar e voltaremos á normalidade. Veja esse grá...

BANG!

Da lateral da têmpora do rapaz brota sangue e ele cai quase atingindo o cavalete com as lâminas da apresentação.

Fumaça subia á frente do rosto impassível do auditor e não era tabaco. O revólver prateado parecia dar continuidade ao brilho da careca do sujeito. Mas ele não ria.

- Meu deu! O que você está fazendo!! Gritou a moça de tailleur azul.

- Esta é uma instituição fascista e vocês sabiam disso desde o início deste projeto. Logo não vamos começar a chorar. É assim que resolvemos as coisas. O auditor recuou o revólver e apoiou o cotovelo na mesa. Baixou a tampa da caixa na sua frente com um sonoro clique que calou quase todos os gemidos. Vamos aos argumentos e quem sabe não preciso gastar toda a munição. Quem organizou a ala feminina dos agressores?

A moça de vermelho tremia:

- Fu- fu- fui eu.

- Faltaram mais mulheres. Para deixar a coisa mais equilibrada. O auditor deixa a arma tombar suavemente sobre seu pulso em movimentos repetidos. A moça balança as mãos sem saber aonde as colocar.

- Olha, a gente fez um cálculo da proporção feminina necessária ao evento, pra tudo dar certo. Deixa eu mostrar o gráfico...

BANG!

O tiro pega a moça no centro das costas e ela tomba sobre o cavalete derrubando tudo. Seus colegas se contraem e guincham de desespero.

- Chega de gráficos.

 - O que é isso! Onde vamos parar! Vocês acham que podem sumir assim com a gente? Que ninguém vai notar? Grita o loiro de amarelo.

- Vocês terão três opções: Cuba de ácido, material para canapés do curso de gastronomia ou ração para os trolls da turma de anti-socialização na internet. Qualquer uma delas não deixa rastros. E assim estará encerrada a primeira e única turma de marketing avançado desta instituição. Agora, antes eu queria saber quem escolheu o vestido usado por ela?

- Fui eu. - ergue a mão a moça de azul, tremendo.

- Você por acaso esqueceu as cores da universidade? O logo é vermelho. Não rosa.

- Eu jurava que era vermelho, e-eu tenho dificuldade em enxergar certos tons. E-

BANG!

- Tinha.

O rapaz loiro se recompõe:

- Escute, que tal-

BANG!

- Não agüento mais essa cor tentando combinar com o cabelo.

O auditor olha para o jovem de verde. Cruza os braços, cotovelos na mesa e a arma ainda na mão. Silêncio. Um minuto passa. O jovem executivo tenta não olhar para os colegas tombados ao seu redor, os dois últimos com os furos no meio da testa ainda fumegando. Fixa o olhar no careca.

- E você rapaz, qual sua proposta?

- Deveríamos oferecer o curso de Turismo de graça pra ela e após o provável sucesso da revista e do possível programa de TV, promover uma nova campanha, destacando o nome dela e a frase: Formada na UNIBAN!

O último executivo da turma de marketing avançado seguiu olhando nos olhos do Auditor, corpo tenso a espera do próximo tiro. O careca descruzou os braços e abriu a caixa para guardar a arma, pela primeira vez deixando arcos se formarem na sua testa enquanto erguia as sobrancelhas:

- É, considerando as idéias anteriores, essa até que não é um completo tiro no pé. Vale poupar uma bala. Teremos outro destino para você.

- Eu, vou poder ir embora?

- Não. Você vai para a sala dos trolls no subsolo B. Se você sobreviver ao fim do semestre, quem sabe até ganha uma promoção.

- Mas, mas eles estão sempre com fome, eles vão me devorar!

- Calma, eles podem ser brutos, mas mais do que qualquer outro aluno daqui, eles absorveram muito bem a filosofia do Tao de Paulo, a qual diz que não importa o quanto você humilhe, violente, degrade e invada a dignidade de outra pessoa, o importante é nunca matá-la.

- Eu acho que a frase não é bem essa!

- Você me entendeu.

O Auditor estalou os dedos e as portas foram abertas. O jovem executivo foi arrastado aos gritos, dizendo que preferia a morte. Os seguranças parrudos taparam sua boca até a entrada do úmido corredor que levava á sala dos trolls. A porta se abre o jovem executivo é rapidamente jogado para dentro, atravessando o quase sólido odor de sebo envelhecido e pizza azeda. A porta é fechada com um estrondo e o som da chave girando nela é o último sinal do mundo exterior. A sala de teto alto está mergulhada na escuridão, salvo a luz dos monitores. O barulho de risadas débeis, mastigação e coceira aos poucos vão parando, na medida em que as criaturas notam o novo colega. Eles vêm se aproximando lentamente, murmúrios incompreensíveis vão virando grunhidos altos, chiados finos vão compondo com risadas guturais. Logo ele está cercado, e a expectativa funesta mareja seus olhos, quando ele escuta  a palavra de duas sílabas brotando aqui e acolá e logo virando um coro. Grave-aguda, grave-aguda, grave-aguda e ninguém o acuda...

Em meios aos gritos de fúria ninguém o ouviria gritar.

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