terça-feira, 26 de fevereiro de 2008

Manteiga Epifania














Quando olhei pela primeira vez esse pote de manteiga fiquei surpreso com o design. Manteiga em espinhas? Homenagem industrial ao úbere primevo? Um estudante de arquitetura com o prazo apertado para entrega de um trabalho teria ocas modulares em sua mesa. Todas as manteigas de pote até esse dia tinham sido iguais. Planas, lisas, ás vezes com um platô ou outro desnível para um lado, mas nunca assim, organizadas. “É da máquina”, me disse um amigo. Realmente, dá pra imaginar uma esteira e a manteiga vindo por tubos até os bicos dosadores, o suave som semelhante a um flato tímido quando o pote é preenchido. Teria eu sido enganado todos esses anos, por comerciantes que desligavam seus freezers durante a noite e assim desfaziam o singelo padrão? Teria a luz elétrica diminuído de preço, permitindo a volta daquela estética, sem ameaçar o lucro dos mercados com geladeiras ligadas? Nada disso, apenas uma mudança no padrão das máquinas dosadoras. Pelo menos para mim, a primeira em dez anos. A manteiga mais barata do mercado agora vinha com uma experiência estética gratuita. Um inesperado estímulo para racionar o produto quando a grana aperta. Agora havia como escapar da depressão ao constatar a geladeira quase vazia. Uma xícara com a última dose de café, o derradeiro pedaço de pão e uma contemplação.


Amanhece á mesa quase nada,

Ouço os sons do dia

Chega a luz da alvorada.

O café ralo,
No bule espera.

O pão dormido,
Acorda a fera,

A manteiga é destampada.

Urra a pança,
Contemplo a textura.
Espeta-me a lança
Com ternura.

Desço entre monastérios
Cúpulas de ouro sob o sol.


Caminho nas sombras de torres amarelas, uma cidade coberta de arabescos cambiantes, envolta na fumaça dourada de chá de manteiga de iaque. Um sensual aroma de úbere e óleo de açafrão envolve e aperta como diáfanas serpentes de vapor. Á sombra dos palacetes monges dourados ecoam o mesmo mantra. Odaliscas se espreguiçam no umbral de cambiantes portais. Seus sorrisos fluem ao contrário, para cima enquanto deslizam ao meu encontro, ventres generosos e curvas brilhantes derretendo ao sol...

Que ilumina já a mesa e amolece o pequeno quilate de Xanadu ali á espera. Começo a desfazê-lo com a faca...

2 comentários:

Anônimo disse...

Você precisa ver as manteiguinhas de avião com esse "formato". Um deleite!
Tive vontade lamber.

betatron disse...

Olá, bem vinda!
Muita gente leva pra casa as manteguinhas de avião.
Pena que derretem e perdem o formato.