Pensando nas coisas boas de morar sozinho, uma dessas súbitas revelações surgiu dentre detalhes geralmente ignorados dada sua escatológica intimidade:
A súbita economia de papel higiênico.
Como nunca coloquei nessas páginas detalhes da minha vida pregressa um esclarecimento: De 98 até 2006, seja casado, seja em república de estudantes, dividi a casa e suas despesas e alegrias com amigos. Nos últimos anos de moradia coletiva, em uma configuração particularmente agradável, de apenas três pessoas, ainda me admirava a velocidade vertiginosa que o papel higiênico acabava. As visitas claro contribuíam, principalmente nos fins de semana. Sutilmente fui percebendo que as visitas femininas eram as responsáveis pela devastação da mata nativa e sua conseqüente substituição pela monocultura do eucalipto. Após tantos anos para evoluir da incompetência abissal, rumo á excelência em limpeza de banheiros, senti-me como um Sísifo preso dentro de um livro de etiqueta. Onde por mais inútil que pareça a tarefa, não se deve comentar, pois o mínimo é apenas seguir fazendo. Recentemente uma amiga contribuiu inconscientemente para minhas reflexões, ao esquecer no vaso uma pequena tira de papel, indício suficiente para ativar minhas habilidades detetivescas e deduzir que todo o assento havia sido forrado de papel higiênico. Subitamente vi minha singela casinha se tornar um posto de gasolina arruinado na beira de uma estrada secundária no interior, envolto na névoa de poeira deixada pelos constantes caminhões. Um restaurante servindo pratos á base de óleo, cujos freqüentadores não ligam se é de motor ou de cozinha. E em um canto externo, respirando pesadamente como uma besta ancestral com o hálito milenar de heróis e mendigos devorados, pulsando qual um fungo das trevas, um daqueles banheiros que assombravam minha mãe e irmã nos velhos tempos de viagens com a família. Quando você crê ter alcançou um padrão normal de higiene, a vida rapidamente lhe prova o quanto você estava sendo pretensioso, e aquele assento aparentemente tão limpo era na verdade um criatório de micoses ignorado em sua residência, onde uma orquestra fúngica preparava a próxima melodia de sucesso para o verão, aquela que gruda e não sai mais da cabeça.
Mas a vida de quem trabalha com limpeza não é feita de exagerados melodramas. É uma estrada zen de disciplina, repetição e imperturbável avanço. Não questionar, apenas limpar. Tai Chi da praticidade, uma dança objetiva com o caos, desprovida de rancor, focada e justa. Como Krishna matador de demônios. Desse ponto de vista posso compreender a prática de forrar os assentos como uma espécie de sentido transcendental adquirido com o treino, onde um simples assento de vaso (salvo exceção do da própria casa) é visto como um espaço adimensional e eterno, existindo na constante espera de ser forrado, independente das ilusórias garantias materiais de asseio.
Enquanto pratico as minimalistas técnicas marciais do consagrado mestre Miyagi, no banheiro de casa, imagino um dia em que dentre tantos acessórios desnecessários postos pelo consumismo exacerbado dentro do lar, em uma casa inteligente, um assento de vaso interativo detecte o contato de papel higiênico com sua superfície e avise:
Olá! São 16h50min do dia 25/04/2024. Este assento foi limpo pela última vez ás 09h26min do dia 23/04/2024 e até o presente momento encontra-se livre de vida microbiana. Não são necessárias adicionais precauções higiênicas. Tenha uma boa tarde!
Ah, o súbito conforto da oportuna voz da ecologia!
quinta-feira, 17 de julho de 2008
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