Quando acordo de madrugada para ir trabalhar e na minha primeira ida ao banheiro defeco apenas sangue, penso na finitude. Lembro dos morros na paisagem e imagino o horizonte de eventos da minha vida estreitando, até o derradeiro colapso. Sinto um grande silêncio, expandindo de dentro para fora daquilo que entendo por minha consciência. Penso nas histórias incompletas e nas ainda por contar. Penso nos intraduzíveis momentos quando dialogo com a lista de músicas, em todas as idéias amigas que passam por mim, a caminho das metrópoles mentais da humanidade, para mais um dia de trabalho. Penso nos amigos verdadeiros, em todos os instantes de cumplicidade como velas iluminando uma grande casa de madeira, prestes a queimar. Lembro da cama desarrumada e vazia no quarto, um lado mais amassado do que o outro. Penso em nas minhas prioridades, no quanto é bom estar sozinho, poder partir sem angustiar uma companheira. leio o que escrevi agora e suspiro a incontinência do melodrama. Pensar em fins atrai o vampiro do drama.
Penso
A passagem do tempo foi criando uma nova orientação sexual, o afeto por espaços antropomórficos vazios. A paixão pelo vácuo deixado onde outrora uma mulher dançava e ria em voz alta. O vazio deixado pela implosão de conceitos como lábios, olhares, pés, mãos. Penso em meu coração como um favo onde a única hierarquia entre as paixões é o nível de realidade delas. Penso em uma amiga especial dormindo sozinha a mais de quinhentos quilômetros de distância. Sabendo assim como eu o quão bom ou ruim é ter uma cama de casal com espaço sobrando. E penso
Dentro de mim, do centro de uma geleira, preservado, um adolescente de quatorze anos balbucia senil, preso na eterna repetição do mesmo instante. Não é mais uma criança, não posso lhe dar colo. Não é ainda adulto, não posso empregá-lo. Ele espera a alvorada de uma outra vida, após passar pelos bardos e manter a consciência, de uma existência á outra, ver uma nova infância crescer ao seu redor, a chegada de outro adolescer, aprender outra vez a gostar. Aprender de novo a colocar o pé na estrada e seguir tranqüilo. Deixo o sonho já vivido da juventude para trás, não sinto mais o frio de suas paisagens.
Penso
Dê-me um derradeiro beijo e apague a luz.
Um comentário:
Não serão um princípio de hemorróidas e uma fístula anal meus carrascos, mas o hipocondríaco morre por antecipação várias vezes, freqüentando seus próprios funerais ainda em vida.
Postar um comentário